domingo, 20 de fevereiro de 2011

Respirar não é viver

            E agora, que ela se foi, o que sobra dele? Esse espaço imenso que jaz no vazio cavado dentro de si, como preenchê-lo, se é dela que ele é feito? E as palavras, e os murmúrios de paixão, para onde os dirige agora?
            Senta-se em frente à televisão e vai pulsando os botões do comando. As imagens sem sentido sucedem-se, os sons são ruídos dispersos por entre a voz que recorda naquela figura dócil de mulher. Deixa a mão pousar na pele do sofá, de olhos fechados, enquanto imagina que a toca.
            O queixo treme em sinal de protesto contra o soluçar que o afronta, o sorriso abraça-lhe os lábios que quer cerrar, uma lágrima solta-se dos olhos que quer secos. Está só. Não quer outra companhia. Quem quer já não está cá para o confortar, para o salvar de si próprio. Para ele foi ontem. O tempo parou no preciso momento em que o brilho no olhar o abandonou. Vive por entre esse emaranhado de becos, de vielas, de imagens dispersas e palavras idas onde se perdeu, faz hoje precisamente seis anos. A sua realidade é diferente da comum. Sobrevive apenas, movido pela apatia e pela inércia.
            Morre-se com vida, vive-se com a morte. O mundo está do avesso, enfadonho ou eloquente, mas sempre miserável espectáculo onde a morte se faz vida e a vida se desfaz em morte. Ao vivos resta o pranto e as lágrimas que nem sempre vertem, dos mortos fica a saudade e o espaço vazio onde já não os encontramos. E por vezes os vivos morrem com os mortos, e ficam aqui, apenas para nos recordarem que respirar não é viver.

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