terça-feira, 29 de março de 2011

O sexo e a Igreja

Sou agnóstico e crítico da instituição Igreja em muitos aspectos da sua doutrina e dos seus hábitos. Já debati muito sobre o mérito ou demérito da alienação pela crença, dos perigos da fé, mas sempre respeitei e hei-de respeitar opiniões diversas.
Apesar de Nietzsche me ter influenciado muito, nunca me deixei cair no extremismo. Mas confesso que à Igreja fazem falta umas afrontas. Há coisas na Igreja que me revoltam profundamente, que me enojam. Reli à pouco tempo atrás o "Auto da barca do Inferno", e poderia afirmar que nada mudou. O Sr Papa João Paulo II há-de ter chegado à beira do rio nas suas vestes de seda e sapatos de ouro, e há-de ter sido recambiado para a barca do demo, porque se Deus existe, há-de ter vistos milhões de mulheres e crianças a morrer em Darfour, e tantos mais locais no mundo, enquanto esse senhor se passeava, rodeado dos maiores luxos que se possam imaginar, transmitindo a Sua palavra do alto do seu palácio. É esse o papel do representante máximo da Igreja, foi esse  o exemplo de Cristo?
Não são as rezas nem as penitências nem os falsos pudores que garantirão o acesso ao paraíso - seja isso o que for. Acredito que poucos na Igreja terão direito ao céu, pois não existem maiores pecadores que os arautos do Vaticano. Os verdadeiros católicos, aqueles que aceitam a diferença, que protegem e amparam os necessitados, que despem para vestir outro, que repartem o pouco que têm, têm sido banidos da igreja, e nunca chegarão a Sumo Pontífice - esse lugar está reservado para a corja (pouco) católica de escravos do poder.
Os grandes exemplos de humanidade depois de Cristo, foram-nos dados por uma mulher, Madre Teresa de Calcutá, por um hindu,  Mahatma Gandhi, e por dois negros cristãos, Martin Luther King, Jr. e Nelson Mandela, escravizados  em países profundamente católicos e racistas. Estes sim, terão as portas do céu escancaradas e o seu lugar reservado ao lado de Deus.

Há crimes que são imperdoáveis, e a Igreja católica tem cometido verdadeiras atrocidades contra a humanidade, e continua a cometê-los, com a maior das impunidades. E nesta era em que vivemos, de gente laica e culta, ninguém fica indiferente à hipocrisia católica, e as repercussões, as reacções extremas serão inevitáveis.
Não é admissível que se olhe o preservativo de soslaio - a igreja é autora moral de um homicídio em massa de proporções dantescas.
Não é admissível que a liberdade sexual seja alvo de debate pela igreja - foi Cristo que ensinou a respeitar e aceitar os outros tal como são.
Não é admissível que se defenda o matrimónio a qualquer custo - a felicidade e o amor são valores maiores que as imposições formais da igreja - ou o o homem não separar o que Deus uniu é mais importante que o amor e respeito pelo próximo?
Não é admissível que se negue o direito ao aborto - quantas mulheres morreram, quantas crianças vivem no inferno? É a Igreja que tem o "direito" de condenar essas pessoas? As regras eclesiásticas valem mais que a vida humana digna?
Não é admissível a negação da eutanásia - é a Igreja que decide sobre a vida de cada um, é a Igreja que determina o que é viver e o que é morrer? Só morrermos quando deixamos de respirar? Cristo não escolheu livremente o caminho da cruz?

Não é admissível que as mulheres continuem a ser subalternizadas dentro do próprio clero - a fé não defende que todos os Homens são iguais aos olhos de Deus? Ou serão só os homens, as mulheres não?
Não é admissível que a pedofilia tenha grassado na Igreja sem que ninguém tenha exposto o problema - porquê? A que custo?

Não é admissível a atitude moralista de quem não tem moral nenhuma.

Para os curtos de memória, recordo que grande parte das guerras que têm devastado o mundo, desde a Antiguidade, tiveram origem em divergências religiosas. Está mais que na altura de serem os próprios credos a tomarem a iniciativa de dizerem "Basta". Estão a prejudicar mais do que ajudam. E a inércia da igreja em responder à evolução social e cultural vai ditar o seu lento definhar.

O que atrás foi dito serve para todas as religiões. Porque o que foi defendido pelos profetas de cada uma, nada tem que ver com o que defendem os seus "representantes terrenos". Talvez o Budismo escape a esta lógica, mas pouco mais.


Apesar de tudo o que escrevi até agora, tenho pena que isto se passe na Igreja, pois os valores defendidos pelos seus fundadores são valores justos, são valores que me influenciaram ainda mais que Nietzsche, que ainda hoje são elementos basilares da minha moral - mesmo que atípica. Aprendi que a diversidade é benéfica para o desenvolvimento social e pessoal, mas fundamental é o respeito pela liberdade de expressão, seja religiosa, política, artística ou qualquer outra. Apesar do asco com que olho para a Igreja, não a confundo com os seus valores basilares, mesmo que a própria Igreja se tenha esquecido de quais são. Tal como não confundo outras crenças com os seus representantes.
No fundo, todas as crenças partilham um núcleo moral, sejam elas o cristianismo, o islamismo, ou a crença na emancipação da mulher. Há valores que são transversais à humanidade, independentemente da cor, do credo, da raça, das convicções políticas ou sociais. Há valores que estão inscritos no nosso ADN, cabe-nos manter esses genes vivos e dar-lhes força. Para isso é necessário fazer tremer as instituições.
Umas meninas em Espanha, manifestaram o seu direito à liberdade de escolha sexual e ideológica. Mas a escolha do modo, do momento e do local, foram um atentado à liberdade de outras pessoas, foi uma atitude tão condenável como aquela que queriam denunciar. E embora a Igreja seja a principal culpada destes tristes acontecimentos, não é admissível que se tente impor um ideal ou uma razão pelos mesmos métodos que criticamos. Só pela exposição de argumentos, de forma correcta e respeitosa, é possível o diálogo e o entendimento.
Entendo que a juventude se identifique cada vez menos com a Igreja, que optem pelo ateísmo ou agnosticismo, que se manifestem contra a tacanhez, a soberba, a arrogância das igrejas, mas não entendo que o façam exactamente pelos mesmo meios que tanto criticam. Não são melhores nem piores, é tudo farinha do mesmo saco. A igreja não devia ter apresentado queixa na reitoria da Universidade, devia ter perdoado. Não era isso que Cristo professava, ou estarão esquecidos de quem Ele foi e quais os seus ensinamentos?

domingo, 27 de março de 2011

Só dá para rir

 
Já vi efeitos de LCD menos delirantes que o discurso de Futre... até o "amigo" aqui em baixo se passou da marmita, ora vejam lá.
 
 Vi isto n'O LADO B DA VIDA, e adorei, tanto que tive de postar...

Something to think about




Massive Attack

"Special Cases"

Don't tell your man what he don't do right
Nor tell him all the things that make you cry
But check yourself for your own shit
And don't be making out like it's all his

Take a look around the world
You see such bad things happening
There are many good men
Ask yourself is he one of them

The deadliest of sin is pride
Make you feel like you're always right
But they're always two sides
It takes two to make love, two to make a life

Take a look around the world
You see such mad things happening
There are few good men
Thank your lucky star that he's one of them

sábado, 26 de março de 2011

Figuras de estilo


- Só podes ser bipolar, só assim se pode entender essa mudança de atitude...
Esta frase, em lugar de a deixar furiosa, fê-la sorrir. Encostou-se à parede e sorriu com desdém.
Ele não sorriu, mas achou piada. Gostou do seu douto sorriso quando aludiu à sua "bipolaridade", gostou da sua reacção soberba. Imaginou de imediato a mente dela, asilada na sua sabedoria laica, analisando tácticas e estratagemas para lhe chamar ignorante, de forma subtil, não fosse ele entender o seu propósito. Manteve-se encostada, mas não disse nada que revelasse o que queria de facto dizer. Deixou apenas um sorriso, quase macabro, a gelar o ar.
Ele ouviu as palavras que ela não proferiu. Olhou-a nos olhos e teve dificuldade em reconhecê-la. Os mesmos olhos, a mesma boca, a mesma voz e cabelo. Tudo indicava que era ela. Mas não podia ser. Aquele ser que estava perante ele, usurpando aquele corpo, era divino. Só podia ser. Não há outra explicação para tal atitude.
Não se conteve, e uma certa vontade de a melindrar apoderou-se dele. Ainda bem que ela não lhe chamou ignorante, não fosse ele cair na tentação de se ajoelhar a seus pés, deslumbrado pela sua omnisciência. Esta ironia carregada de cinismo, esta hipocrisia que grassava no seu íntimo, acabaram por não ser disparadas contra aquela Senhora Dona Madame Doutora Licenciada Psicóloga e mais o raio que a parta. Guardou para si o conselho que tinha para lhe dar: estude as figuras de estilo, aprenda a sua própria língua materna, não vá cometer erros maiores que outros já cometidos, sem remédio.
Gostava de lhe explicar a metonímia, talvez a diasirme, mas para quê? Haverá algo para ensinar a quem se julga omnisciente? Ao recapitular o seu discurso, interroga-se se não teria sido preferível usar o asteísmo, porque não é com vinagre que se apanham moscas, e talvez a doçura nas palavras disfarçasse a ironia com que as desejava impregnar.
No seu íntimo, achou por bem explicar-lhe o sentido em que tinha utilizado o termo "bipolar", mas sabe bem que de nada serviria - o maior cego é aquele que mão quer ver, e ela está cega há muito. Queria dizer-lhe, já que parece tanto gostar das palavras, que lhe falta aprender a ouvi-las e entendê-las. Saber muitas palavras e usá-las a preceito não significa que saiba o que diz ou ouve. Mas quem, de entre os mortais, será capaz de lhe fazer entender tal realidade?
Não sorri, como ela. Mantém o semblante carregado. Está triste. Finalmente entendeu o porquê de não se entenderem. Não falam a mesma língua, expressam-se em tons distintos. É impossível o diálogo ou o entendimento. Resta a memória do que nunca chegou a ser. E uma certa tristeza, por ver que a idade, afinal, parece nem sempre trazer a maturidade. Por vezes, o decurso do tempo cega mais do que ilumina, e quanto menor o brilho, maior a necessidade de escuridão.
Um sentimento terrível invade-o: sente pena dela. Sabe que é terrível sentir assim, mas teme que ela esteja perdida para sempre. Ela, que já fez constelações apagarem-se, é hoje uma sobra improvável de si própria, uma metodista inanimada na singularidade da sua laicidade. Odeia esse sentimento de compaixão. Odeia esse sentimento, e a ela também, por o obrigar a senti-lo. E odeia as palavras, cada vez mais.
Ao que parece, o Português é demasiado complexo, e é cada vez mais difícil encontrar um interlocutor que entenda para além das simples palavras, alguém que entenda toda a estrutura gramatical que as tornam sublimes. Um dia destes faz um voto de silêncio, e nunca mais a sua voz se ouvirá, pelo menos assim não corre o risco de ser mal entendido.