segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Liberdade, Liberdade


E se tivesse um assomo de sanidade, e se de repente fosse capaz de dizer e fazer e ser? Não pode ser, claro que não. Dizer, fazer, ser... meras construções intelectuais que escapam aos rigores da realidade, porque na verdade nada disso acontece.
            Embora fale, não digo. Falo o que posso dizer, o que me é permitido dizer pelo decoro social onde teço a minha existência, pelo interesse que tenha na reacção de quem me escuta, mas não digo o que sou, digo como quero que me ouçam. Uso as palavras como um político, em função dos outros e não de mim, porque sei que não posso dizer o que penso, sei que não sou livre de me expressar. Quem me ouve, não quer ouvir o que tenho para dizer, quer ouvir o que entende escutar. E assim, sem grandes cogitações, vou fazendo uso adequado da palavra em função do interlocutor, por uma questão de conveniência e de aceitação social. As palavras são armas com que matamos e morremos, senão por inteiro, pelo menos em parte. Sempre que me silencio, definho e morro, e ninguém sabe o que tenho para dizer nem o que digo quando não falo.
            Embora esteja, não sou.  Estou onde é suposto estar, no tempo e no lugar determinado pelos acasos do quotidiano. Não estou onde quero, nem tão pouco com quem quero. Estou onde posso estar, onde me convém estar, com quem posso e com quem me interessa estar. Mas não sou, nunca sou eu. É apenas a pessoa que outros querem ver, como me querem ver. O estar, o ser eu, é uma quase impossibilidade, porque sendo quem sou, poucos se atreveriam a ser comigo. Assim, sou apenas na medida do necessário, de acordo com o quem, com o tempo e com o lugar. Não podendo ser quem sou, definho e morro, e ninguém sabe quem sou quando estou.
            Embora aja, não faço. As minhas mãos são laboriosas e o meu corpo ostenta as marcas desse labor, quer nas cicatrizes, quer nas dores ocultas. Em função do que tenho de agir para poder sobreviver, vou desenvolvendo acções mecânicas que me levam de um ponto ao outro, sobretudo para poder coexistir com os meus semelhantes. Actuo mas não faço, não crio, não invento nem destruo. Limito-me a actuar em conformidade com o que de mim se espera, sem me permitir fazer. Porque libertar-me da amarra da conformação e fazer, criar, sonhar, é algo que me está vedado. Sempre que me impõem o labor vejo-me castrado na ânsia de fazer, definho e morro, e ninguém sabe o que faço quando ajo.
            Vivo em sociedade mas não sou eu, é o reflexo necessário de mim. Vivo preso dentro deste paradigma sem que me consiga libertar, e tudo o que vêem é apenas uma aguarela que pinto toscamente. Porque mais do que isso seria libertar-me, e a minha liberdade tem um preço, tanto para mim como para os outros, e o preço a pagar pela liberdade é demasiado para que o consiga suportar sem enlouquecer. Na vida em sociedade sou uma pessoa normal aos olhos alheios, mas a mim vejo-me como o que realmente sou - um ser social alienado de si próprio.
            Quando me liberto das regras, dos dogmas, dos grilhões da vida em sociedade, realizo-me então, e a alienação some-se e a consciência de mim devolve-me o gosto por tudo o que me faz viver. Assim, liberto desse cativeiro, dou asas a quem sou, e faço e digo e sou, sem justificações, nem ilusões, nem grilhões. Livre, finalmente.
            Embora rara, a liberdade é o sentimento mais precioso que possa sentir. Só livre posso ser quem sou, só a liberdade me permite amar, voar, sonhar, matar ou morrer. Só a liberdade me faz viver, só pela liberdade vale a pena morrer.

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