A vida acontece a todo o instante, por vezes morta, outras esbatida, nem sempre viva. Por vezes sinto a alma que se fecha perante o mundo, que se silencia na escuridão morta a que apenas o bater do coração traz fogachos esporádicos de luz. Hoje sinto-me assim, na escuridão. Apenas este bater em mim me recorda que estou vivo. Sei que não será sempre assim, é hoje, quem sabe amanhã também, mas noutro dia, não sei qual, a vida surgirá em mim, afastando para o esquecimento esta sensação de morte que me acompanha e emudece a alma.
Não a temo, a morte, a vida sim. Morto estou eu desde o dia em que nasci, desde esse fatídico momento em que o meu óbito foi marcado como realidade inabalável. A vida, por outro lado, assusta-me, temo-a até. É na vida que o peito arde e o sangue se inflama. Quando me sinto vivo, quando sinto a vida a pulsar em mim, aflige-me a consciência de que essa sensação é fugaz, e então devoro cada momento como se de o último se tratasse, entrego-me à vida até ao limite do meu ser.
Sei, no entanto, que à vida advém a morte, e vice-versa, mas se anseio por me sentir vivo, também é verdade que temo essa vida para além da morte, é que estando neste estado de existência latente não há dor nem pranto que me aflijam, e quando sentir, quando viver, quando amar e sorrir, temerei que acabe - sei que acaba - e temerei que este não sentir renasça das brumas do esquecimento com um poder renovado, e aí, as memórias do tempo em que vivi, serão como facas cravadas na carne, a recordação de tudo o que amei e sorri será o sal que incendeia as feridas, até que a dor me deixe dormente, e retorne à minha existência latente, ansioso por voltar a viver, com a secreta esperança que isso não volte a acontecer...
É nesta contradição que me perco sem saber como me encontrar, onde me encontrar. Talvez viver seja isso mesmo, um ponto intermédio entre a vida e a morte.
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