quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Outro mar


            Nem uma brisa, por mais leve que seja. O ar está parado, tão pesado que custa respirar. Nem a areia entre os dedos dos pés molhados lhe recorda que está vivo. O mar reflecte o brilho intenso do sol do meio dia, como se de um espelho se tratasse. No horizonte, apenas o azul infinito, que se estende para além do alcance limitado dos seus olhos. É um estranho perdido neste mundo azul que não é seu.
            Olha o mar como se de um deserto se tratasse. É água mas podia ser areia, é molhado mas podia ser seco, é ele mas podia ser outro. Vê-o como a memória de uma ausência permanente, de um pânico latente. Gostaria que fosse diferente, mas não é. É mesmo assim, ausente dele próprio, indiferente aos outros, sem entender o que dizem, sem saber o que querem dele. E mesmo que entendesse, de que valeria isso? se é ele que fala um idioma diverso, se é ele que não quer entender, que não quer falar do que falam, que não pensa como pensam? Procura no seu íntimo as palavras que quer dizer, as palavras que o farão viver. Não as encontra. Como pode encontrar vida se é dentro de si que ela perece? Não é ele o dínamo que faz mover o Universo, não é ele o fio condutor  da Vida.
            Esconde-se no azul, no frio do mar vasto que lhe molha os pés. Acobarda-se perante a imensidão, do areal, do horizonte, do vazio. Um silêncio interior tolda-lhe qualquer emoção que pudesse florescer. Tudo o que é resume-se ao que não foi, ao que não ousa nem sonha ser. A letargia da paisagem imutável é um reflexo de si próprio. As ondas que açoitam a areia são como o ar que inspira, de nada mais servem senão para sublinhar a monotonia de uma existência confinada à repetição mecânica das mesmas rotinas, num ciclo ininterrupto de vulgaridade. Imagina-se um barco à deriva no mar estagnado, um grão de areia no imenso areal, uma gota isolada no meio do oceano. Não é nada, é tudo o que é e o que não é.
            Olha para o horizonte, imenso, e ele tão insignificante, ali perdido no areal. É nada, menos que zero. Na admiração da sua própria nulidade, ilude-se. De nada ser se julga tanto perante a imensidão que se desenha perante o seu olhar, como se fosse ele o construtor da paisagem que o envolve. Liberta-se da ilusão, sabe apenas que uma pequena parte daquele tanto é um pouco nada dele também, que se escondeu para nunca mais ser encontrado na infinidade da sua existência. É assim que sente em si, é do imenso e a vastidão é sua amante quando mais não lhe resta senão a areia molhada pela água salgada por onde navega para além do horizonte imaginado, para um outro mundo apenas por ele sonhado. Não o exprime, nem dá valor ao sonho. Deixa-se estar, inactivo, sem vontade nem querer, esperando que outra onda se despenhe a seus pés, que outro grão de areia pouse sobre a sua pele fria, que outro oceano se abra perante o seu olhar.

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