Arrasta o corpo cansado da cama. Recorda as voltas e os tombos, outro corpo sobre e sob o seu, dentro e fora dela. Não o ama, usa-o apenas. Aquele que ali está, numa quietude serena, é apenas uma recordação que por uma noite foi agora e para sempre. A pele é deliciosa apenas no exacto momento em que a toca e sente viva. Agora está transpirada, sente-se cansada. Sai do quarto e estende-se em frente ao sofá, nua. Três livros espalhados pelo chão repousam a seu lado, recordando-lhe histórias que prefere esquecer. Está cansada, demasiado cansada para os arrumar. A tez pálida, a alma lívida, o torpor que a acossa. Deixa-se levar pelo silêncio, e repousa, alheia a tudo, a si própria inclusive.
Ouve uma voz que pronuncia o seu nome, a voz que com ela partilhou os gemidos de prazer. Não responde, não quer responder. Finge não ouvir, como se essa farsa pudesse calar a voz que teima em dizer o seu nome. Rebola sobre si própria. Contempla as costuras na pele do sofá, como se fossem cosidas na sua própria pele. Está cansada, demasiado cansada para ouvir ou responder. A voz ecoa de novo, tão familiar como se lhe fosse estranha. Está agora a seu lado, ela deitada e ele de pé. Ele a falar e ela calada. Está ainda nua. Levanta-se como se estivesse sozinha. Abre a porta e esconde-se por detrás dela, convidando-o a sair com um silêncio frio e uma expressão sem expressão. A voz sai, sem um ruído, sem um silêncio. A porta fecha-se, roda a chave e tranca-a. Deita-se de novo no tapete, em frente ao sofá. Fecha os olhos. Antes o prazer, agora a solidão. Não quer estar só. Amanhã encontrará outro alguém que satisfaça o seu desejo. Hoje descansará, talvez não por muito tempo, talvez apenas o suficiente para cansar a mente e sossegar o corpo.
O cabelo nos olhos, o peito esmagado sob o seu próprio peso, o desconforto. Levanta-se. A água fria limpa-lhe a pele e os cabelos, que agora cheiram a frutos silvestres acabados de colher. Alimenta-se, que a fome assim o exige. Muito tempo. Calada e sem palavras. As mãos, olha para elas. Mãos delicadas e finas. Toca-se e sente a pele, a sua pele, as suas mãos. Ri à gargalhada, e chora também, precisa do prazer. Precisa de outro alguém que não a deixe chorar, que a faça corar e suar.
Sai e passeia-se pela multidão errante. Aquele outro foi só mais um no meio de tantos. É na pele que as palavras se desenham. É na boca que as palavras se calam. Duas bocas juntas silenciam-se, duas peles encostadas amam-se. Quer amar, tem essa fome dentro dela. Quer ser amada, tem esse desejo no corpo. Regressa a casa e ao chão da sala, mesmo junto ao sofá. Não anseia por mais, pelo menos para já. Quer parar até ter vontade de se mexer. Fecha os olhos e adormece.
Trimmm, trimmm... Abre os olhos e levanta-se, dirigindo-se à porta como um autómato. Entreabre-a e espreita. Uma cara que conhece, que quis conhecer, que já não quer conhecer. A cara da voz que já não quer ouvir.
- Posso entrar?
- Não.
- Porquê?
- Não sei, só não te quero aqui.
- Não me faças isso, sabes que te amo.
- Eu não te amo.
- Mas ontem...
- Ontem já passou.
Fica calado, a olhar para ela, sentindo o ar gélido que leva as palavras de encontro aos seus ouvidos, que desesperam com tamanha frigidez.
- Porque é que me estás a tratar assim?
Fecha a porta e atira-se para cima do tapete, de onde acabara de sair. Nem se dá ao trabalho de lhe responder, nem de lhe explicar o quer que seja. Quando o quiser novamente, irá ter com ele. Se a quiser, será óptimo, se não a quiser, procurará outro. É essa a exacta medida da sua importância para ela - um prazer sem hora marcada. Volta ao sono.
Acorda com as lágrimas penduradas nos olhos. Não ama ninguém, ama-se a si própria. Corta a corda. Desprendem-se as lágrimas. Caem para dentro que é mais cómodo, não tem de as enxugar. Sorri. Não sabe se foi real ou apenas um sonho, retrato fiel da realidade. Precisa que lhe toquem, precisa ouvir a sua própria voz gemer de prazer. Precisa encontrar quem satisfaça o desejo carnal que a afronta, precisa do prazer acima de tudo, apenas do prazer.
Veste uma saia curta, uma blusa, saltos altos, pinta os olhos e põe perfume. Está bonita, sente-se bonita. Pega no carro e procura um sítio onde possa beber café e encontrar gente. Conduz durante muito tempo. Entra num bar onde nunca tinha estado, numa cidade que desconhece. Senta-se num banco alto, ao balcão. pede um café e um scotch, com água lisa. Olha em redor e analisa as pessoas. Gosta de olhar, gosta de pessoas bonitas. Mete conversa, ri, dança, bebe demais. Bebe tanto que já não tem escolha, quer fazer amor, quer prazer, não interessa com quem, tanto faz, homem ou mulher, só quer gemer, só quer a boca tapada e os olhos fechados. Hoje quer luxúria, pela manhã deitar-se-á em frente ao sofá, para desejar mais um pouco, como se estivesse a sonhar.
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