segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Longe de mim

Deixo o teu corpo deitado onde já à muito se encontra. Não te quero despertar, quero apenas ver. Sim, só quero olhar para ti, nada mais. Só quero sentir o que apenas eu posso sentir. Sentir os meus olhos que te devoram como se fosse possível alimentarem-se da tua imagem, tão real, tão viva, sentir a vontade de te acordar a palpitar na ponta dos meus dedos, a boca a queimar e o corpo a tremer pelo teu sabor, pela cor dos teus olhos que agora se escondem. Por agora só quero sentir esta vontade que é tão maior que eu.
Não te vou acordar, agora não. Quero sentir-te dentro de mim, apenas isso. Não consigo esse prazer se me distraíres com o teu sorriso, com os teus olhos. Aí perco-me, e já nem sei o quanto sinto, nem o que sinto sequer. É demasiado para o poder entender. Por isso gosto de ti assim, deitada, imóvel, longe de mim. Sinto o mesmo, como se saltitasses em redor de mim, como se te embrulhasses em mim, mas de forma distinta. Sabes, há coisas nossas que são só minhas. Tu não me ouves, é natural, afinal tu dormes e eu não falo. Só as mãos falam para que não as ouças. Por isso estou bem assim, contigo a meu lado, incosciente de mim.
O pijama velho, o cabelo despenteado espalhado sobre a almofada, a boca entreaberta, os suspiros ocasionais que libertas enquanto rebolas, o teu cheiro enquanto dormes. Pequenos detalhes de ti que apenas eu conheço, que me fazem amar-te assim. Sim, são estas as coisas que mais gosto em ti. Estou bem por agora, contigo a dormir e eu acordado, sem mais nada senão eu e a caneta na mão que desliza pelas linhas imaginárias de uma folha branca onde as letras e as palavras se misturam com este prazer de olhar para ti que é só meu. Neste momento sou só eu, tu e a caneta. A caneta liga-me a ti, agora que dormes. Eu estou cego e socorro-me do coberto da noite para te escrever a ti, como se te pintasse numa tela.
Agora, no silêncio da noite, quebro a distância que separa o teu corpo do meu, rompo o vazio que embala o silêncio, murmuro ao teu ouvido todo o amor que tenho aprisionado no peito, tão dentro de mim, tão vivo por ti, mas não te acordo.
Estas palavras que escrevo, sopro-as para que o vento as leve para longe de mim, para bem perto de ti, onde a minha voz surda ecoe no silêncio da noite, sob a luz frágil que revela as sombras que te contornam o rosto, o corpo, para que não as ouças agora, para que amanhã, quando acordares e me acordares a mim, possas vê-las escritas nas minhas mãos e nos meus olhos, que te amam mais do que te consigo dizer.

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