Fixo o olhar na vastidão da paisagem deserta do meu quarto. Assombra-me este espaço desconhecido que me viu nascer. A aridez do branco lívido das paredes contrasta com a escuridão que anima o meu olhar. Nada reconheço. Fujo desta prisão que me encarcerou em vida até à morte. Recomeço a existir como quem reaprende a andar, como se renascesse de novo, depois de outro morrer. Olho em redor e nada vejo senão o desconhecido. A cada volta, a cada esquina, a cada olhar, algo de novo espreita. Não sei bem o quê, talvez algo assustador, quem sabe uma fonte de prazer, ou mesmo um incógnito mensageiro da dor. Não sei o que me espera, como poderia saber?
O passado resume a nossa existência. Apago-o então. Apago as minhas memórias, os sorrisos gravados, a tristeza embutida. Apago e enterro esse homem antigo, que visto de onde eu estou não me diz quem sou. Projecto-me para além das paredes, das ruas, para além da carne e dos ossos destroçados onde, dizem, habitam as vinte e uma gramas de alma que compõem a nossa humanidade, seja lá o que isso for. Liberto-me por fim de todas as amarras, de todo o peso que ao longo do tempo esmagou o meu corpo e apagou a alegria e o sorriso da minha face. Abandono-o, o corpo cansado, o olhar morto. Liberto-me do ar e apresso-me em direcção ao infinito para não mais regressar. Outro eu nasceu no momento em que aquele morreu.
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