Fiquei um pouco confuso com algo que li à pouco. Tratava sobre as diferenças numa relação. Que a diferença era boa porque espevitava a relação, quebrando a rotina, que a diferença era má, porque afastava e criava barreiras, e tal, e eu não percebi nada daquilo.
Do meu ponto de vista, um casal são duas pessoas, dois corpos, duas mentes. Isso é, desde logo, um argumento imbatível contra a tese, a utopia da sintonia absoluta entre duas pessoas. Ora já dizia a minha querida avózinha, "cada cabeça, sua sentença." E este facto, empiricamente comprovado desde à tempos imemoráveis, leva a clivagens nos casais - e não me tiram da ideia que quem disser o contrário está a ser demagogo. Havendo clivagens, hão-de haver momentos de tensão, em que qualquer pequeno nada pode dar azo a uma reacção de "má-vontade". E os pequenos nadas vão-se sucedendo, e as reacções esporádicas passam a constar da agenda, e a páginas tantas está criado um ambiente de sentimentos negativos, que levará o casal numa espiral de conflitos.
Assim sendo, numa relação, para haver essa sintonia absoluta, não pode haver má-vontade. "Relação" e "má-vontade" são dois conceitos que dificilmente funcionam. A "má-vontade" a que me refiro não é aquela ocasional, é a "má-vontade" latente, aquela que se vai instalando, que por vezes é confundida com laxismo. Não senhora, laxismo é desculpa, o que se tem é "má-vontade", e esse sentimento, que se esconde muito bem dentro de nós, é um cancro. Se não estivermos atentos, quando dermos por ela, já temos as medidas do caixão tiradas.
Há-de reparar que as relações acabam quando um, ou ambos os elementos do casal, deixam de "fazer" pelo outro o que faziam. Por exemplo, esquecer o ritual do café na cama ao domingo de manhã, depois deixar o tampo da sanita levantado, depois a cama por fazer, depois mais isto, depois mais aquilo, até às discussões e à indiferença e à separação.
Ora, a indiferença é o extremo mais próximo da unicidade do casal. Um casal indiferente é um casal sem sabor, sem ritmo, sem sal, sem picante, sem nada - a vida em comum é simplesmente destemperada.
Um casal com "má-vontade" tem uma vida insuportável, de querelas e olhares de soslaio. Há tanto sal que se torna intragável. Alguém escolheria viver assim?
Isto de fazer uma vida em comum tem muito que se lhe diga. E a diferença no casal é tão somente uma parte da relação, tal como o sexo ou a distribuição das tarefas. Uma vida em comum tem de se basear naquele sentimento primitivo que une duas pessoas - o amor, essa é a primeira regra, porque quem ama não precisa sentir o que o outro está a sentir, basta manifestar um sentimento genuíno, isso é amor. A diferença num casal é indiferente, desde que haja amor. Não o amor sexual, que é deveras importante, mas sobretudo o amor altruísta.
O amor primitivo, aquele que sem explicação nos faz ver apenas aquela pessoa, como se fosse parte de nós, tem no amor altruísta a sua expressão máxima. E o amor altruísta tem, antes de mais, de ser aceite por ambos os elementos do casal, e depois tem de ser praticado, para que o possam partilhar e viver, para que aquele outro amor não esmoreça nunca. E as diferenças, a partir do momento em que há este entendimento, diluem-se. É evidente que há lapsos e arritmias nos casais, é claro que a vida não é um tapete voador, mas é nesses momentos que é necessária a mais criteriosa atenção, porque é nesses momentos que deve ser manifestado com maior intensidade o amor, para que as diferenças se tornem em factores de união e não de divergência.
Se estendermos uma mão ao náufrago, talvez ele se salve, se deixarmos a mão no bolso e assobiarmos para o lado, talvez ele não se salve - é quando um dos elementos se está a deixar submergir que o outro tem de lutar com mais força para o manter à tona. É aí, nesse momento, que é preciso amar de verdade, porque é nesse ponto que as relações cedem, e dificilmente haverá volta a dar, apesar de eu ser um eterno optimista.
Venho agradecer a visita ao CR e a oportunidade que me deu de conhecer o seu blog. Voltarei com mais tempo. Felicidades para a aventura blogonáutica.
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