segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Pesadelo

            Tento sair a correr de casa que as paredes apertam-me, já não sei onde mais me possa esconder delas. O espaço desaparece perante os meus olhos, sinto o tecto a roçar-me a cabeça, encolho-me num canto e olho para a porta, cada vez mais pequena, sempre mais distante. Rastejo pelo chão e esperneio e esbracejo freneticamente sem que consiga sair de onde estou, sem que a porta pare de se afastar, sem que as paredes parem de me esmagar, sem que o ar pare de me faltar.
            Acordo e o suor escorre-me pela testa, a garganta seca provoca-me um ataque de tosse. O pânico socorre-se de mim para se manter vivo.  Levanto-me da cama e o corpo cede. O chão duro ampara a queda, acariciando-me com contusões e fracturas. Será que ainda sonho, será que já acordei? Não importa agora, o tempo escasseia, preciso da rua e de espaço e de ar e de liberdade. Sim, preciso de me libertar. Saio para a rua por fim. Os gritos de espanto e medo ecoam. As insidiosas palavras  são disparadas como aríetes contra o meu corpo desprotegido. Os punhos cerram-se e despenham-se na carne que é minha também. A dor sai aos pulos, gritando de alegria perante o meu desespero, o olhar das pedras de calçada espera-me para uma massagem recheada de sadismo. Os pés não as pisam por piedade, marcam-me a mim que estou mais desprotegido, e também mais macio. Os cabelos saem aos montes da cabeça que me puxam com violentos safanões, enquanto esmago o queixo na pedra que o ampara na delicadeza da sua irredutibilidade. Dói tanto que já não sinto a dor. Adormeço por fim, o pesadelo acabou.
            A alcatifa, a mesa intacta e o vaso que nela repousa tranquilo, o candeeiro no tecto, o estore corrido, nada mudou de sitio, tudo está perfeito. Não tenho lacerações, nem golpes, nem fracturas, nem um arranhão sequer. Respiro perfeitamente, o ar não me falta. As paredes e o tecto estão onde é suposto estarem, imóveis como devem estar. Não me sinto claustrofóbico, nem agorafóbico, nem paranóico, nem nada que se pareça. Não tenho sede nem tosse, nem pressa nem sono. Então porque me dói o corpo e a alma, porquê toda esta aflição se tudo está perfeito, se tudo é como deve ser?
            A inquietação agita-me. Não a quero, mas sei que ela me deseja. A dor também, e a psicose e a paranóia seguem esse instinto primitivo, maquiavélico, de me desejarem selvaticamente. Tenho os olhos abertos. Vejo as cores e sei identificá-las. Olho para a rua e reconheço as pessoas. Não quero nada disto. Não tenho de querer. Estou abandonado a mim próprio. Apenas quando a atrocidade é demasiada recobro a sanidade, é nesse preciso momento que o desespero é mais fulgurante, mais poderosa é a tortura, que atinge o clímax e se refastela de mim quando tudo está perfeito.
            Olhar com consciência para a minha loucura é a maior atrocidade que me pode calhar em sorte.
- Não tenho escape, não tenho saída.
- Eu também não.
- Nem eu.
- Nenhum de nós.
- Só não quero estar consciente.
- Nós também não.
            Ninguém quer estar consciente. Antes a atrocidade e o sofrimento desumano que a consciência da realidade, que essa dor é morte prolongada ao limiar do sofrimento.

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